“Chapati:
água + farinha = massa chata frita na chapa ou assada no forno; pão
sem fermento. Culinária:
atividade separada, hierarquizada sob determinação de
especialistas”
“Todo bicho-humano deve ser
atrevido e demente a ponto de VIVER sua poesia”
Em
conformidade com a atual conjuntura alimentar, o Exército Chapatista
de Libertação da Culinária vem declarar que:
1) Não partilhamos da inércia e
desleixo alimentícios sempre desculpados pela “falta de tempo”
ou pelos supostos “deveres” exigidos nas tramas do trabalho
assalariado, dos estudos universitários ou das válvulas de escape
terapêuticas. Apressados comem cru.
2) Duvidamos mesmo da
segurança nutricional do que normalmente vem sendo consumido,
mediante a troca monetária, nos estabelecimentos comerciais de
alimentação, sejam fast-foods transnacionais ou cantinas
vegetarianas locais recheadas de pompas evitáveis.
3) Preferimos o recurso estratégico
do garimpo urbano e da reciclagem improvisativa-experimental, sem a
mínima pretensão, por enquanto, de fazer dele uma alternativa
final às questões cotidianas da alimentação. É mais
que viável comer sem ter que pagar por isso.
4) Entendemos tal estratégia como
um meio possível de desvio radical em relação às práticas
cômodas do consumismo e do trabalho, e não um fim absoluto que traz
soluções em cadeia para os problemas globais.
5) Nossa questão é imediatamente
cotidiana, portanto não necessariamente se relaciona com a histeria
do social, econômico, psicológico, sexual, artístico, cultural,
patológico, etc. Percebemos essa gama de categorias separadas como
espécie de esquizofrenia teoricista e como baboseira que sempre
favorece a fácil captura, pelas mãos dos especialistas da indústria
gastronômica, de iniciativas concretas e vitais. Consideramos a
guerrilha de cozinha como tudo isso ao mesmo tempo.
6) Nossas iniciativas se pautam
definitivamente na vida, contra as arbitrariedades da
sobrevivência.
7) Não apoiamos e nem mesmo
precisamos do uso de ingredientes derivados de animais não-humanos
(esses seres que também sentem, assimilam dor e sofrimento e não
têm a oportunidade de reação “organizada” frente às mazelas
que os onívoros humanos perpetram contra suas vidas) para a
confecção de bombas… ou melhor, refeições.
8) Propomos a troca ilimitada de
experiências referentes ao cultivo, produção, armazenamento e
degustação de alimentos. Acrescentamos: que essa troca se dê sem
mestres (normalmente uns cretinos) e alunos (em latim, sem-luz),
sem oradores e ouvintes. Aprendizado livre consiste, para nós, em
ser capaz de falar e ouvir, transfundir entre todos sem muito
requinte. É questão de diálogo prático e organicidade.
9) Não somos ninguém e somos todos os que
partilham, em teoria e prática, da necessidade de subverter o
dia-a-dia vivendo. Nossas faces estão refletidas naquelas que estão
cansadas de estarem cansadas. Nós, soldados do gozo e glutões
assumidos, declaramos nossa guerra à monotonia e caretice que
imperam nas cozinhas, meios de trabalho, escolas tradicionais,
igrejas, galerias de arte, centros culturais e muitos outros
paradeiros. Façamos nosso rango em todos os cantos possíveis, agora
ou assim que desejarmos. O ápice da idiotia: aguardar o momento
revolucionário aclamado pelos porcos historicistas para, então,
decidir pela apropriação desse aspecto específico de nossa vida –
o preparo de nossa comida. Esse momento já está em curso e
são eles, os ativistas e militantes de plantão, que estão perdendo
o bonde.
10) Se a vida fosse simples, ela não
teria a mínima graça.
De mais
uma cozinha ocupada nos altos montes que não podem pecar,
Anti-chef
Semkara.