Um material teórico – CIDADE SITUADA

 

Correndo pelos poucos dois eventos do CIDADE SITUADA – Mesa Amorfa que ocorreram no espaço Ystilingue, veio-me a idéia de contribuir com algo mais que nossas conversas (que não deixaram de ser tentadoras e muito produtivas, pelo menos para mim). Estou postando aqui um artigo resultante de um trabalho que fiz quando ainda andava imerso nas modorras da acadimia, aquele antro incapaz de cultivar algo além da inércia e do parasitismo autorizado. Consiste num relatório de seminários em sala que me deixou, como costuma ser, irresistivelmente aborrecido. Apesar de tudo, ainda acho que pode contribuir para algo, desde que seja longe de lá. Quem quiser, que tire o proveito possível.

A. G.

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Cidades e gestão: nas imediações da política e do urbanismo

Você deve notar que não tem mais tutu
e dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
e dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que está desempregado
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabar em teu Carnaval
Você merece, você merece

(Gonzaguinha, Comportamento Geral)

 

Durante os seminários ocorridos em sala de aula nos dias 3 e 5 de junho, não apenas atidos às leituras dos três artigos propostos[1], mas também comprometidos com a abordagem de assuntos cotidianos e imediatos pertinentes para os dias atuais, uma variedade considerável de problemas puderam ser levantados e debatidos a fim de contextualizar e criticar as deficiências de leituras que se limitaram a produções oriundas de uma perspectiva teórica européia – ou, mais precisamente, francesa. 

A seção “Espaço, justiça social e culturas” do volume 18 da revista Projeto História, visou a tratar de questões comuns ao assunto da gestão e das políticas urbanas por meio de artigos consideravelmente diversos em termos de focalizações e especificidades de olhares. Na apresentação dessa seção do dito volume da revista, Denise de Sant´Anna e Yara Khoury revelam concisamente o caráter do que viria a ser enfatizado nas páginas seguintes: 

Reconhecer a historicidade de espaços inglórios, ou mesmo de espaços comuns, habituais, aparentemente sem perfil definido ou ainda marginais, é, nesse sentido, perceber o quanto eles guardam a memória de uma liberdade de ação, resultante das lutas de seus habitantes não apenas pela sobrevivência cotidiana, mas também, para o refinamento de seus talentos e habilidades.

Tal apresentação já deixa suficientemente clara a tônica dos assuntos colocados pelos artigos que se seguiriam. Porém, pontos dificultosos dos debates ocorridos durante os seminários em sala de aula decorreram justamente de, em muitos aspectos, ser problemático conciliar acriticamente o lugar social de formação e vivência dos teóricos lidos com a realidade posta cotidianamente nas cidades brasileiras – incluindo as sociabilidades fundantes e fundadas nas mesmas – e mais especificamente na Grande Belo Horizonte. Embora possamos reconhecer que nas formas produtivas e condições de sobrevivência contemporâneas as contradições sempre tendam a se tornar visíveis de modos aparentemente semelhantes, há que se levar em consideração as particularidades sócio-históricas de cada espaço e territorialidade analisado para, então, definir as generalizações possíveis. Tão equívoco quanto esses problemas citados, fazem-se revelar os próprios envergamentos políticos dos teóricos responsáveis pelas pesquisas selecionadas, voltados invariavelmente para um enfoque institucionalista e estatal, não raramente legando ao segundo plano sujeitos que nada circunstancialmente vivem efetivamente as contradições que essas pesquisas pretendem acusar. As conclusões muitas vezes acabam por figurar em prepotências intelectualistas e/ou distanciamentos auto-consentidos de iluminados acadêmicos que se postam como guias ou mesmo “conselheiros” públicos a respeito de problemas comunitários concretamente diários. 

Deve-se, contudo, fazer as devidas ressalvas frente aos critérios utilizados para a consumação das investigações propostas, sempre voltadas para ressaltar os dados oficiais e transmiti-los dentro da clareza possível e de metodologias rigorosas. Apesar disso tudo, ainda presenciamos obstáculos para entendermos de fato uma realidade urbanística extremamente adversa que é a de Belo Horizonte ou de outras cidades brasileiras, repetidas vezes palco de transferências estéticas e teóricas – em termos de empreendimentos urbanos –, diretamente da Europa para cá, transposições estas recorrentemente pouco debatidas e restritas a decisões arbitrárias que refletem objetivos politicamente ocultos. Ou seja, os textos puderam esclarecer recursos metodológicos para entendermos algumas contradições que podem estar situadas no seio do espaço da cidade, mas deixaram lacunas previsíveis no que diz respeito à apreensão das análises frente ao cotidiano que testemunhamos e exercitamos, posto que isso se dá em contextos sociais, econômicos e culturais visivelmente diferenciados. A socióloga Vera Telles defende que, quando se visa ao tratamento da espacialidade, já está exigido, imediatamente, lidar com a simultaneidade e com a assimilação das coisas no plano da contemporaneidade da espacialização, o que demanda, por si só, a descrição do espaço. Tal precaução possibilita a abertura de vias imprescindíveis para a detecção das peculiaridades sócio-culturalmente presentes.

Primeiramente, tentamos compreender o teor dos programas habitacionais analisados e como eles estão posicionados no contexto francês e inglês. Bernard Legé, autor do primeiro artigo da seção, alerta, ao iniciar seu texto, para o descomprometimento dos “representantes do aparelho do Estado, representantes locais, gestores de patrimônio, trabalhadores sociais, etc.” para com o conhecimento das especificidades do processo de ocupação dos bairros de moradias populares e das relações sociais que nelas surgem. Esses bairros franceses são, nesse sentido, desprezados, ao mesmo tempo em que “a miséria neles se acumula”[4]. Essa forma de tratamento dado, pelos órgãos públicos e agentes sociais, aos bairros que se encontram nesse tipo de situação descrita por Légé é tematizada pelos três artigos debatidos em sala, como problema evidentemente capaz de engendrar os conflitos que rasgam essas territorialidades urbanas. A incapacidade desses programas de atenderem aos propósitos descritos em leis que se voltam para suprir uma pretensão à diversidade desencadeia disputas políticas que definem um cenário de exclusões e interesses mercadológicos, fenômeno que esvazia esses textos de conteúdo e os reduz a fachadas operatórias diante de questões bastante urgentes. Esse aspecto retórico dos discursos especialistas sobre os problemas a serem defrontados e, se possível, resolvidos nas cidades é apontado por Légé nos seguintes termos:  

Constata-se (…) que mesmo na etapa de execução, a estratégia mais utilizada para atingir objetivos como esses, de natureza social ou psicológica, continua sendo, na maioria das vezes, a da retórica. E qual é o motivo dessa limitação? As políticas do Estado, da forma como são definidas na esfera central, são vazias de conteúdo? Ou elas sofrem deformações quando passam para o âmbito local, onde cada um fica com um pouco que lhe cabe (primeiramente, as subvenções para a revitalização)? 

E, em resposta crua e objetiva, presume que as noções de inserção, integração e participação “não são desenvolvidas com profundidade e, portanto, não são praticáveis”.[5] 

Pode-se, a partir de tal exemplificação do tom dos artigos lidos, colocar seguramente que – em Lége, num grau mais discreto; em Michel Bonetti, escancaradamente; já o artigo de Catherine Neveu, podemos considerar como uma exceção, nesse caso – as “coletividades” são, em muitos matizes, tornadas opacas, sem face, desparticularizadas e, o que é pior, inertes, para se dar cabo à abordagem de uma coletividade outra, teoricamente suficiente, ao passo que não é estabelecida distinção desta mesma, o que ela é e o que representa, como se afirma, numa acepção individual ou, ainda, organizada de algum modo, na diferença e na ação sobre seus incômodos. Muitas vezes, elas não estão situadas no espaço e na história e se fundem numa categoria tão empobrecida e ambígua, conceitual e praticamente, quanto a tão cunhada idéia de povo.

Exemplo claro disso, podemos encontrar no artigo de autoria de Michel Bonetti, segundo da seção que lemos. Seguidor de uma concepção de políticas urbanas que separa de forma meticulosamente definida políticos, atores locais e o que ele chama de “habitantes”, Bonetti mantém soberbamente explícito distanciamento em relação às questões de que trata e afirma, ele mesmo, que as avaliações realizadas sobre os programas de desenvolvimento os leva a assumir “um papel de conselheiro junto a atores encarregados da pilotagem desses projetos”[6]. (Grifo nosso.)

A esquematização hierárquica de atuação decisória – que, por sinal, indica apenas como são operadas as decisões no que tange aos planos de desenvolvimento dos bairros – não é exatamente o que incomoda. A escala política de valores se faz comparecer logo em seguida, quando o sociólogo declara messianicamente que 

Essas metodologias trabalham para a desobstrução e para a reformulação dos problemas e das aspirações para a organização da cooperação da organização entre os atores e o envolvimento dos habitantes, e da implantação de dispositivos de conduta de projetos fundados sobre uma distinção clara entre as instâncias de decisão, os atores operacionais e os destinatários.[7] (Grifo nosso.) 

Em suma, Bonetti fala como o intelectual pomposo que, por estar inserido em órgãos de encaminhamento do Estado, percebe a prática institucional como um fim nela mesma, destituindo-a de sua dimensão mediadora (por mais que o próprio teórico pronuncie o contrário) apregoada pelo senso-comum do próprio republicanismo que sustenta suas teses, assim como as demais da seção. Tal apartação esquematizada pelo dito “conselheiro” pode ser justificada – ainda que de forma insuficiente – pelas discrepâncias quanto à representação dos problemas:

 

(…) enquanto a política da cidade visa a adaptação dos modos de ação às especificidades das situações locais, os atores locais possuem, geralmente, representações relativamente homogêneas dos problemas e de sua acuidade, quaisquer que sejam os problemas em questão. Ora, essas representações aparecem freqüentemente deslocadas, às vezes até em contradição com as percepções dominantes dos habitantes, as quais variam consideravelmente de um local para outro.[8]

Outra característica do artigo de Bonetti, além da “des-subjetivação” do que o mesmo classifica no interior da esfera de “habitantes”, é a pouca especificação das descrições espaciais elaboradas no correr do artigo, falta tal que o conduz a afirmações universalizantes um tanto pretensiosas. Os dados dos quais Bonetti lança mão como justificativas de fenômenos sociais aplicados a bairros flutuam em espaço e contexto precariamente precisos[9]. Daí a sua inclinação para direcionar suas hipóteses causais das tensões à pouca presença dos poderes públicos. Sobre os mesmos, diz que, “não dominando o sistema produtivo e a criação de empregos, sua ação se limita a se rebater na reabilitação do quadro construído e o desenvolvimento de novas formas de ação social”.  Chega ao paroxismo de afirmar que 

(…) o sentimento de pertencimento à coletividade depende do reconhecimento pela instância política que a simboliza, e pelos responsáveis que encarnam essa instância. A atenção dos responsáveis políticos se traduz nas respostas dadas às expectativas dos habitantes, pela qualidade do sistema de gestão que eles colocam em prática.[10] 

Esse tipo de conclusão não serviria, de forma alguma, para compreendermos a integração incontestável de comunidades de Belo Horizonte que se incorporam em questões políticas específicas da cidade e, não sempre mas em alguns momentos, se empenham a posteriori na campanha pela eleição de figuras que deveriam, a partir de então, representar institucionalmente essas regiões. Ilustra isso a tradição política e culturalmente coesa de parte da região do bairro Alto Vera Cruz, na Zona Leste da cidade. Bonetti tem a questão comunitária como programa sempre separado e legado ao dote de especialistas, o que torna parte de sua análise incapaz – embora em muitos momentos ela se pretenda demasiado generalizante – de ser tida como ferramenta para entendermos dinâmicas colocadas em metrópoles brasileiras, pelo menos. Ao contrário do sujeito vivente efetivo das contradições e agente concreto dos atos por remediá-las – dentro ou fora de instituições, recorrendo ou não ao poder público –, esse que aparece no trabalho de Catherine Neveu, o “habitante” de Bonetti compõe uma massa passiva e à espreita de um ser simbolicamente capaz de representá-la e mesmo de apaziguar seus conflitos de iguais. Problemas como os que Neveu nos coloca como pertinentes para a população de Spitalfields – tais como a impossibilidade de os bangladeshis praticarem suas festas tradicionais na região por conta da repulsa a eles que passa a existir por parte dos whites ou os desentendimentos de conteúdo claramente racista que se iniciaram nos arredores de Tower Hamlets – são postos por Bonetti como mera ausência institucional: “(…) a ausência ou a supressão [do] esquema de equipamentos e serviços conduzem ao desenvolvimento da violência, pois deixam de existir, a partir disso, uma mediação entre os habitantes e uma regulamentação entre seus relacionamentos”.[11] 

Dez anos após a publicação do artigo de Bonetti, mais precisamente em novembro de 2005, alguns bairros franceses (dentre eles, La Grande Borne, em Grigny; Reynerie e Bellefontaine, em Toulouse; Ousse-de-Bois, em Pau) foram palco de revoltas incendiárias protagonizadas predominantemente por jovens de 15 aos 24 anos. O sensacionalismo veiculado pelas mídias corporativas denominou os atos de delinqüência juvenil-imigrante, após o mesmo ato em que Nicolas Sarkozy, então ministro do Interior francês, em depoimento aberto às redes de jornalismo locais, caracterizou esse tipo de sujeito como “la racaille” (a ralé), de forma que esse tipo de insinuação acirrou os conflitos que desembocaram nos milhares de carros incendiados, na depredação de escolas, creches etc. Parte considerável dos dados levantados pelo cientista político Laurent Bonelli[12] contradizem as teses de Bonetti em vários aspectos, a saber: 1) o jovem comumente envolvido nas investidas depredadoras era o do morador de regiões que comportavam altíssimas taxas de desemprego; 2) elemento motivador inconteste dos conflitos foi justamente a contínua presença do Estado – mediante suas instituições mais aparentes – nos bairros que suportaram tais acontecimentos, cumprindo papel repressor (nesses bairros, já atingiam graus de insuportabilidade as perseguições e o cerco perpetrados por policiais contra jovens, em sua maioria descendentes de uma terceira geração, ou algo mais, de imigrantes negros – portanto, negros franceses, ao contrário do que veicularam os estardalhaços racistas da grande mídia e do senso-comum) e desmoralizador (é bem elucidativo o comportamento sectário exposto pela figura pública que é Sarkozy, representante de instituição estatal); 3) como disse Bonelli: “Esse movimento utiliza a estrutura da vida política”, e não foge de modo algum de sua legitimidade simplesmente por não ver nas instituições ou no Estado o único meio possível de ação política ou de formação de territorialidades.

Vê-se que esse sujeito se faz aparecer de forma bastante específica, assim como aponta Neveu, no terceiro artigo da seção, sobre os conflitos situados na municipalidade de Tower Hamlets (Londres), entre os whites e os bangladeshis. A autora entende os desentendimentos como fruto de diferentes concepções de cidadania e de legitimidade de cada grupo. Partindo de princípios diversos sobre o direito de ocupar aos alojamentos públicos da região, ambos os grupos se utilizam de argumentos próprios para confirmar a primazia de seus direitos. Spitalfields, bairro de tradição operária, com espécie de nacionalidade formada por elementos fundamentalmente classistas, tradicionalmente adepto da receptividade[13]… chamativos irrefutáveis para grupos que, nos bairros do entorno, viviam intensamente agressões racistas, o que é o caso dos imigrantes e descendentes de imigrantes indianos que obtiveram do governo inglês, após a independência da Índia, a garantia de aquisição da nacionalidade inglesa por todos os imigrantes indianos presentes em solo inglês. A trama de Neveu se desenvolve num exemplo de como se é possível se consumar uma inversão completa de realidades formalmente muito sólidas. A questão discutida em sala foi justamente como se dá forma ao conflito eu-outro em espaços não tão amplos. Assim como nos textos anteriores, fala-se, aqui, do outro como formador ou tensificador de sociabilidades. 

Diferentemente de Légé e Bonetti, Neveu define com mais apreço descritivo os sujeitos no espaço. Na trama que a autora analisa, as contradições e conflitos ocorrem no mesmo tempo em que os agentes que constroem o espaço atuam e definem princípios de territorialização. Quando partem para o campo da política e do direito, as forças de desdobram e só então é que as disputas tendem – na análise de Neveu – a alcançar a esfera do Estado ou de recursos institucionais de outras magnitudes, inclusive eleitorais[14] (ainda que a disputa nunca seja rejeitada, no todo dela, pelo por instâncias estatais, que, durante as lutas compostas e direcionadas em sua direção, assume vez ou outra posição não neutra para resolução dos enfrentamentos). Neveu define ações necessariamente detectadas e pontuadas no berço das coletividades, na mesma medida em que Bonetti as lança na condição de “destinatários”. Seu elitismo exagerado o proporciona a oportunidade de ocupar uma condição de mentor ou condutor de decisões sensatas, enquanto os destinatários se mantêm na espera da oferta ou mesmo concessão, pelas partes institucionais, de possibilidades de expressão, interpelação e organização.[15]           

Embora tenhamos dado alguma prioridade para a crítica de alguns textos em específico, podemos considerar aspecto comum aos três artigos a questão de como se formam as mais trabalhosas dificuldades, no que diz respeito a acesso e poder decisório, de integração de partes interessadas justamente por serem afetadas em maior grau pelas contradições urbanas. Quando Légé alerta para os artifícios retóricos de programas de facilitação da sobrevivência urbana, logo nota-se que esses artifícios atuam como seletores de indivíduos desejados como atuantes ou não. Presente o bastante nas intervenções e principalmente nas discussões sobre as mesmas, dados e argumentações técnicos, formas científicas de pensamento ainda preponderantes nos planejamentos urbanos, tendem a ignorar os dados sensíveis referentes ao uso da cidade. Iniciativas estereotipadas e pouco vinculadas – justamente por serem iniciativas especializadas e distanciadas das realidades concretas partilhadas em comunidades – às intimidades individuais e coletivas, espaciais e humanas, muito ao contrário de solucionar as obstruções, conseguem muito potencialmente aguçar as contradições.  

A perspectiva imperante, pautada na técnica nela mesma ou no embelezamento destrutivo das condições básicas para uma vida amena nas cidades, normalmente conjuga numa igualdade abstrata (numérica, exata, tecnológica) a dimensão e a diversidade dos problemas vividos, enquanto separa eficiência e funcionalidade de intervenção da prática humano-relacional no espaço. Esse paradigma não permite uma percepção sócio-histórica dos problemas, tudo que faz é levantar incompatibilidades quantitativas frente às demandas do fluxo, da circulação – o que já é no mínimo um contra-senso, posto que as questões e dilemas colocados no seio da própria sociabilidade humana que é por esses problemas afetada estão imediatamente ligados a uma exigência por qualificação das vivências práticas da cidade.  


Notas:

[1] Os textos debatidos consistiram nos seguintes artigos: LÉGÉ, Bernard. “Reabilitação e desobstrução simbólica. É possível uma justiça espacial?” (tradução de Maria Tereza Sampaio Lucini); BONETTI, Michel. “A reconstrução do espaço público – a problemática da gestão política e da gestão urbana” (tradução de Karim Khoury); NEVEU, Catherine. “Espaço e território em Spitalfields: percepções locais e práticas municipais” (tradução de Yara Aun Khoury). In. Projeto História: espaço e cultura, vol. 18. São Paulo: EDUC, 1999. Textos originalmente publicados na revista francesa Annales de la Recherche Urbaine.

[2] SANT´ANNA, Denise; KHOURY, Yara. “Espaço, justiça social e culturas”. In. Op. cit., 1999, p. 13.

[3] Ver TELLES, Vera da Silva. “Trajetórias urbanas: fios de uma descrição da cidade”. In. TELLES, Vera da Silva e CABANES, Robert (org.). Nas tramas da cidade: trajetórias urbanas e seus territórios. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2006, pp. 72-73.

[4] Ver LÉGÉ, Bernard. Op. cit., 1999, p. 15.

[5] Idem, p. 29.

[6] BONETTI, Michel. Op. cit., p. 33.

[7] Idem.

[8] Idem.

[9] Observa-se seu uso de recurso estatístico citar percentuais de pessoas de uma periferia de Paris que apresenta índice crítico de violência, para dar base à tese de que os “conflitos sociais e a degradação do sistema de vida” não são fatores gerados necessariamente por uma crise econômica, pelo aumento da proporção de imigrantes e pela presença de famílias numerosas. Não contestamos de forma alguma a possibilidade efetiva da tese, apenas colocamos em questão a vacuidade dos dados lançados como instrumentos comprobatórios de um fenômeno que o autor imediatamente torna unívoco para entendermos contradições existentes nas cidades. Ver, como uma ilustração da questão: BONETTI, Michel. Op. cit., p. 34.  

[10] Idem, pp. 36, 37.

[11] Idem, p. 38.

[12] Ver tradução do artigo de Laurent Bonelli, intitulado “Anatomia da revolta”, no sítio do Le Monde Diplomatique de Portugal, dezembro de 2005: http://diplo.uol.com.br/2005-12,a1206.

[13] NEVEU, Catherine. Op. cit., pp. 53-54.[14] Idem, pp. 63-64.[15] Para acompanhar de forma mais geral esse tipo de postura declaradamente prepotente, ver BONETTI, Michel. Op. cit., p. 46-47.

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